Lula esquece palavra empenhada e adia reforma tributária para 2008
Ele prometera enviar proposta até dia 30, mas mudou de idéia, com receio de tema contaminar votação da CPMF
O cenário para a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) piorou tanto que o governo decidiu ontem adiar o envio ao Congresso Nacional do projeto de reforma tributária e descumprir a palavra empenhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o temor de piorar as negociações, a proposta só será enviada depois de resolvida a votação da CPMF. Como a emenda que prorroga o imposto do cheque só deverá ser votada no fim de dezembro, é certo que o tema ficará para o próximo ano. A reforma tributária já foi adiada várias vezes desde o primeiro mandato de Lula.
Na semana passada, durante encontro com empresários alemães e brasileiros em Blumenau, o presidente prometera encaminhar o texto até dia 30 deste mês. O envio da proposta até o fim de novembro também fez parte das negociações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com a base aliada para a votação da emenda da CPMF na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
A decisão de adiar a reforma tributária foi tomada pelo presidente depois que os líderes dos partidos da base aliada ponderaram que o projeto poderia aumentar a polêmica em torno da votação da CPMF. Segundo avaliação dos governistas, a tramitação da reforma tributária, que embute temas polêmicos, poderia desagregar a base e aumentar o risco de reprovação do imposto do cheque. Coube ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciar a decisão após reunião de coordenação política no Palácio do Planalto.
"A coordenação do governo chegou à conclusão de adiar a apresentação da reforma tributária para depois que resolvermos a questão da CPMF. É para primeiro tirar uma questão de cena", disse. Segundo ele, a base aliada achou "inadequado" apresentar um tema "forte", no momento em que o governo ainda não conseguiu aprovar a prorrogação do imposto do cheque.
A equipe econômica estava preparada para enviar o projeto no dia 29 e de última hora tinha feito modificações para ampliar a partilha dos tributos com os Estados e conseguir maior apoio à CPMF. "A reforma continua valendo. Ela está praticamente pronta e dará entrada no Congresso tão logo seja oportuno. Não vamos misturar os canais", disse Mantega. Ele reconheceu, contudo, que há "vozes discordantes" em relação à proposta desenhada pelo governo.
A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), disse que o envio do projeto de reforma tributária, que é um tema complexo, iria suscitar muito debate neste momento. "Sem que nós tenhamos a clareza se a CPMF será ou não prorrogada, a reforma tributária obviamente terá de levar em consideração se será feita com ou sem a CPMF", afirmou.
O novo líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), também defendeu o adiamento do envio da proposta de reforma tributária, reforçando a tese de que a discussão do tema agora poderá atrapalhar a votação da CPMF no Senado. "A alteração da forma de tributação gera instabilidade e é preciso tempo. O meu lema é que ela precisa ser uma reforma do Estado brasileiro e não uma questão de governo e de oposição", afirmou Fontana. Ele afirmou que a posição do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, também é no mesmo sentido: de que o foco principal da base agora deve ser a aprovação da CPMF.
Adriana Fernandes, Renata Veríssimo e Denise Madueño
Oposição quer CPI sobre desmatamento da Amazônia
Os deputados oposicionistas que integram a Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara decidiram retomar a mobilização para a criação da CPI do Desmatamento da Amazônia, quando voltarem do recesso parlamentar, em fevereiro. Como o ano legislativo termina em menos de um mês, a intenção dos parlamentares é trazer o tema de volta à discussão no Parlamento e garantir, na volta dos trabalhos, o mínimo de 171 assinaturas para instalar a CPI.
"A CPI tem que ser feita no próximo ano. Não é uma CPI contra o presidente Lula, contra a ministra Marina Silva. Mas há 20 anos fazemos uma política contra o desmatamento da Amazônia e não conseguimos menos de 10 mil quilômetros quadrados de área desmatada por ano", disse o presidente da Comissão de Meio Ambiente, Nilson Pinto (PSDB-PA).
A revista especial Grandes Reportagens - Amazônia, publicada pelo Estado no domingo, mostrou que, nos últimos cinco anos, 100 mil km2 da floresta foram desmatados e que a Amazônia brasileira já perdeu 17% da cobertura original. "Não podemos comemorar que, ano passado, desmatamos 'apenas' 14 mil km2, é absurdo festejar essa mediocridade", protestou Nilson Pinto. Outro integrante da comissão, Ricardo Tripoli (PSDB-SP), também defende a abertura da CPI em 2008, para "empurrar" as ações contra o desmatamento. Ele diz que já há estudos suficientes sobre a Amazônia, mas nenhum levou a atitudes práticas.
O deputado defende uma mobilização específica do Ministério Público e do Poder Judiciário na repressão à ação de madeireiros e, mais recentemente, de agricultores que avançam sobre unidades de conservação, principalmente para a cultura da soja. Para Trípoli, as Forças Armadas deveriam ser convocadas. "As Forças Armadas poderiam ajudar, por exemplo, a levantar os proprietários dessas terras onde há plantio de soja, de cana, indevidamente. É preciso um grupo de trabalho, com promotores, juízes, militares. Estudos já temos de sobra, agora é preciso partir para um projeto proativo. A CPI pode ajudar porque vai cobrar fiscalização, cadastramento", afirmou.
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) defendeu que o governo brasileiro apresente um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, "bem estruturado, soberano" e que seja implementado com dinheiro de organismos internacionais, como o Banco Mundial. Gabeira defende que o plano tenha "aprovação internacional". "Os organismos internacionais estariam interessados em financiar um projeto realmente capaz de reunir todos os atores."
Presidente da Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional da Câmara, a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) considera fundamental fixar metas para chegar ao desmatamento zero. Ela elogia o Plano Amazônia Sustentável, lançado em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e governadores da região, mas diz que, por falta de metas, acabou "não saindo do papel".
Na área tecnológica, Vanessa comemorou que o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério de Ciência e Tecnologia, passe a fazer o monitoramento das queimadas na Amazônia a partir de estações instaladas na região. "Se queremos desenvolvimento sustentável, é preciso investimento em ciência e tecnologia."
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), leu ontem no plenário um voto de aplauso ao Estado, pela publicação, no último domingo, da revista sobre a Amazônia. O senador determinou a publicação de todo o conteúdo da revista nos anais do Senado, o que permitirá a consulta por parlamentares e pesquisadores. "A publicação teve um bom embasamento científico sem ser hermética. Uma leitura agradável, com boa abordagem", elogiou o senador. Virgílio destacou a importância de "um grande jornal chamar atenção para um tema que vai muito além do interesse nacional". "Muitas pessoas às vezes querem esconder os problemas da floresta. A Amazônia é de interesse planetário", afirmou.
Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de S. Paulo